Durante grande parcela da vida na terra, a caça foi o mecanismo ao qual o Ser Humano pré-histórico obtinha sua dose diária de sal. Foi com a passagem para a agricultura, e para uma alimentação à base de grãos, que fomos apresentados à necessidade de complementos. Foi quando o sal entrou no jogo e logo se adaptou as necessidades humanas. Seu poder de conservar os alimentos facilitou a sobrevivência e impactou na nossa concepção de mobilidade.
Antes da Idade Média, pescadores holandeses já sabiam salgar o arenque (fonte alimentar desde 3000 a.C, conhecido como bife de dois olhos) para armazená-lo. Isso tornava o peixe acessível longe do mar, durante o ano inteiro. O bacalhau salgado também é anterior à Idade Média.
No artigo “Na Bahia Colonial”, escrito por Afonso de Escragnolle Taunay, descobrimos o entusiasmo do viajante baiano Pyrard, em 1610:
“É impossível terem-se carnes mais gordas, mais tenras e de melhor sabor. (…) Salgam as carnes, cortam-na em pedaços bastante largos, mas pouco espessos (…). Quando estão bem salgadas, tiram-nas sem lavar, pondo-as a secar ao sol; quando bem secas, podem conservar-se por muito tempo.”
Os indígenas brasileiros não conheciam o sal. Era das carnes da caça que vinha a porção de que necessitavam. Seus temperos eram as pimentas, seu método de conservação era o moqueio, uma espécie de defumação lenta sobre um braseiro de folhas e gravetos. Foi quando os portugueses introduziram suas características conservantes, que o sal ganhou relevância no Brasil, tendo influído decisivamente na ocupação do território.
O charque (secado no sal), ou carne-seca, foi a base da alimentação dos boiadeiros do Nordeste, que avançaram pelo interior em direção ao sul buscando de terras para a pecuária. Assim como dos bandeirantes paulistas, que tomaram o rumo noroeste em busca de novas riquezas.
O sal também marca presença nos rituais religiosos.
Foi usado por gregos, romanos, inúmeros povos asiáticos e populações do Oriente-Médio, mas talvez nenhuma tradição lhe tenha dado tanto destaque quanto a judaico-cristã. O Antigo Testamento menciona o sal com frequência, ora no contexto da vida prática, ora simbolicamente. Sal significa, por exemplo, pureza e fidelidade. No Novo testamento, a menção ao sal torna-se mais metafórica. Jesus diz a seus apóstolos: “Vós sois o sal da terra”.
Até o início da industrialização e em diferentes civilizações, o sal na mesa significou prestígio, orgulho, segurança e amizade. A expressão romana para exprimir ser infiel a uma amizade era “trair a promessa e o sal”. Desde aqueles tempos a ausência de um saleiro sobre a mesa, ou o sal derramado, representavam um mal presságio. Ao pintar a famosa “Santa Ceia”, Leonardo da Vinci tratou de colocar diante de Judas um saleiro derramado.
Abolido por Lutero no ritual de batismo da religião protestante ainda no século 16, o uso do sal perdurou no batizado católico até 1973, simbolizando a expulsão do demônio e um sinal de sabedoria sobre o recém-nascido. Ainda hoje, as batatas e ovos cozidos servidos no Pessach, a Páscoa judaica, são regados com água salgada, que simboliza as lágrimas derramadas pelos judeus na travessia do deserto, durante a fuga do Egito.
Nas crenças populares, um ingrediente obrigatório.
Seja para afastar demônios, feiticeiras ou o mal olhado, o banho de sal grosso é uma prática comum. Assim como os recipientes com sal e alho, vistos frequentemente em casas, lojas e escritórios.
Acredita-se que foi a Igreja que tomou emprestado esse uso nos rituais, sobretudo os de exorcismo. A explicação de um demonólogo francês do século XVI para os poderes anti-diabólicos do sal:
“…ele é a marca da eternidade e da pureza, porque jamais apodrece ou se corrompe. E tudo o que o diabo procura é a corrupção e a dissolução das criaturas, tanto quanto Deus busca a criação. Daí a obrigação, pela lei de Deus, de colocar sal na mesa do santuário…”
Povos antigos atribuíram ao sal poderes afrodisíacos e acreditavam que sua carência reduzia a potência sexual dos homens. Uma gravura satírica francesa, também do século XVI, mostra mulheres de diversas classes sociais numa atividade insólita: debruçadas sobre maridos sem calças, que esperneiam, aprisionados em barris. Elas esfregam vigorosamente suas partes íntimas com sal.
Conheça algumas superstições em torno do sal:
- O saleiro passado de mão em mão a outra pessoa da mesa traz má sorte. No Brasil, recomenda-se que ele não seja levantado da superfície da mesa. Nos Estados Unidos, existe o ditado “passe-me sal, passe-me sofrimento”.
- Jogar sal afugenta os vampiros.
- Usar um sachê de sal pendurado no pescoço afasta os maus espíritos.
- Derrubar sal traz má sorte, ao menos que se jogue uma pitada por cima do ombro direito.
- Para afastar maus espíritos, joga-se sal por cima do ombro esquerdo.
- Cada grão de sal derrubado equivale a uma lágrima. Para evitá-las, leva-se imediatamente o sal derrubado para uma panela no fogo. Isso bastará para secar as lágrimas.
- Emprestar ou pedir emprestado sal ou pimenta destrói a amizade. É melhor oferecê-los e aceitá-los como um presente.
- No oriente médio acredita-se que quando duas pessoas comem sal juntas, formam um vínculo. Por isso, usa-se sal para selar um contrato.
- No Havaí, a pessoa que volta de um funeral polvilha sal sobre si mesma, para garantir que maus espíritos que rondassem o defunto não a acompanhem em casa.
- No Japão, espalha-se sal no palco antes da apresentação para evitar que maus espíritos joguem pragas sobre os atores.
- Em muitos países espalha-se sal no umbral da porta de uma casa nova para impedir a entrada de maus espíritos.
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